Grand T

PT 

Detalhes Técnicos:

 2021 - 2022

Descrição:

A obra "GRAND T", um diminutivo de Grand Tableau, apresenta um tabuleiro composto por 36 cartas Lenormand/baralho cigano, todas feitas manualmente pela artista utilizando colagens de livros de Biologia e Geografia fotocopiados de seus anos do ensino médio. Cada carta foi intencionalmente posicionada para representar a visão da artista sobre seu futuro e como fatores geográficos, biológicos e culturais moldam seu caminho.

Após concluir o baralho, a artista sentiu a necessidade de oferecer aos visitantes a chance de fazer perguntas sobre seus próprios futuros. Para isso, ela incorporou runas de quartzo verde, adquiridas durante uma viagem a Minas Gerais. A descoberta de runas, inspiradas na cultura nórdica e feitas com minerais brasileiros, provocou reflexões sobre globalização, consumo e o mercado místico contemporâneo, impulsionado pela crescente popularidade de cristais e práticas esotéricas.

As runas fornecem um sistema simples de interação: os visitantes escolhem três pedras, formulam uma pergunta de sim ou não e observam o resultado — todas as pedras viradas para cima indicam sim, enquanto todas viradas para baixo indicam não. Instruções são apresentadas junto à instalação, incentivando o público a interagir com a obra, ecoando as perguntas feitas pela artista durante o processo de criação.

Visualmente, a obra funciona como um altar pessoal, onde a artista explora as limitações e potencialidades de sua existência. Elementos como glitter e lantejoulas evocam uma estética carnavalesca — um gesto de mascarar e adornar a fragilidade de seu corpo, influenciado pela síndrome de Marfan. O processo fragmentado e diário de produção reflete suas restrições físicas, ao mesmo tempo em que simboliza resiliência e autoaceitação.

"GRAND T" é uma obra interativa e íntima, que convida o público a refletir sobre suas próprias perguntas, futuros imaginados e as forças que moldam suas jornadas.

EN 

Technical Details:

2021 - 2022

Description:

The work "GRAND T", a diminutive of Grand Tableau, features a board composed of 36 Lenormand/Gypsy cards (baralho cigano), each handmade by the artist using collages from photocopied Biology and Geography textbooks from her high school years. Each card was intentionally placed to represent the artist’s vision of her future and how geographic, biological, and cultural factors shape her path.

After completing the deck, the artist felt the need to offer visitors the chance to ask questions about their own future. To fulfill this, she added green quartz runes, acquired during a trip to Minas Gerais. The discovery of Nordic-inspired runes made from Brazilian minerals sparked reflections on globalization, consumption, and the contemporary mystical market driven by the rising popularity of crystals and esoteric practices.

The runes provide a simple system of interaction: visitors draw three stones, ask a yes-or-no question, and observe the result — all face-up stones indicate yes, all face-down stones indicate no. Instructions are provided alongside the installation, encouraging visitors to engage with the piece by echoing the artist’s own questions during its creation.

Visually, the work serves as a personal altar, where the artist explores the limitations and potentials of her existence. Elements such as glitter and sequins evoke a carnivalesque aesthetic — a gesture of masking and adorning the fragility of her body, influenced by Marfan syndrome. The fragmented, daily production process reflects her physical constraints while symbolizing resilience and self-acceptance.

"GRANT" is an interactive and intimate work, inviting the audience to reflect on their own questions, imagined futures, and the forces that shape their journeys.

Fotos: Lonelas. João Pessoa. Grand T, Instalação. Local: João Pessoa, Paraíba. Brasil. 2023. / Photos: Lonelas. João Pessoa. Grand T, Installation. Location: João Pessoa, Paraíba. Brazil. 2023.

Os visitantes desta obra têm o convite aberto para interagir com as runas cuidadosamente dispostas sobre a mesa. A instalação encoraja a participação ativa, permitindo que os espectadores realizem uma tiragem simples de runas seguindo instruções descomplicadas. Para isso, basta seguir os passos abaixo:

Visitors to this artwork are openly invited to interact with the carefully arranged runes on the table. The installation encourages active participation, allowing viewers to perform a simple rune casting following straightforward instructions. To do so, simply follow the steps below:

Fotos: Lonelas. João Pessoa. Grand T, Instalação. Local: João Pessoa, Paraíba. Brasil. 2023. / Photos: Lonelas. João Pessoa. Grand T, Installation. Location: João Pessoa, Paraíba. Brazil. 2023.

Fotos: Lonelas. João Pessoa. Grand T, Instalação. Local: João Pessoa, Paraíba. Brasil. 2023. / Photos: Lonelas. João Pessoa. Grand T, Installation. Location: João Pessoa, Paraíba. Brazil. 2023.

Fotos: Lonelas. João Pessoa. Mostra coletiva Zona Abissal. Galeria Lavandeira, Centro de Comunicação, Turismo e Artes, Universidade Federal da Paraíba. 2023. / Photos: Lonelas. João Pessoa. Zona Abyssal collective exhibition. Lavandeira Gallery, Tourism and Arts Communication Center, Federal University of Paraíba. 2023.

Fotos: Lonelas. João Pessoa. Mostra coletiva Zona Abissal. Galeria Lavandeira, Centro de Comunicação Turismo e Artes, Universidade Federal da Paraíba. 2023. / Photos: Lonelas. João Pessoa. Zona Abyssal collective exhibition. Lavandeira Gallery, Tourism and Arts Communication Center, Federal University of Paraíba. 2023.

Foto: Diego Rezende. João pessoa. Mostra coletiva Zona Abissal. Galeria Lavandeira, Centro de Comunicação, Turismo e Artes, Universidade Federal da Paraíba. 2023. / Photo: Diego Rezende. João Pessoa. Zona Abyssal collective exhibition. Lavandeira Gallery, Center for Communication, Tourism and Arts, Federal University of Paraíba. 2023.


Crítica por Bianca Maria Dias de Araújo elaborada no ano de 2022 durante a disciplina de Crítica de Arte ministrada por Sabrina Fernandes Melo.

Publicada no Acervo de críticas artísticas feita por alunes do curso de Artes Visuais da Universidade Federal da Paraíba.

Sabe-se que há milhares de anos a humanidade se dedica a compreender a natureza fundamental da realidade e a sua relação com o cosmos. É nessa busca por sentido existencial que se origina uma gama complexa de meios que confiram significado às manifestações mundanas, através de crenças, filosofias, práticas religiosas, entre outros. Junto a esta colcha de retalhos de simbolismos diversos que se transmutam e coexistem, algumas vezes em sentidos antagônicos dispostos de maneira anacrônica, difundidos ou silenciados ao longo da história, utilizando diferentes suportes, veículos e linguagens, há também o intento pela resolução da inquietude humana, em sua ânsia e esforço para alcançar o resultado incerto do seu destino, por onde diversas culturas ao redor do globo apresentaram práticas de adivinhação e profecia, através do uso de artes divinatórias e oráculos.


Dessa maneira, as práticas oraculares atuariam como meio de compreender e “mapear” experiências e seus desdobramentos cotidianos, desvelar mistérios e indagações pessoais (GUERRIERO, 2002). É nessa perspectiva que a obra da artista Lohanna Oliveira, de pseudônimo Lonelas, convida seu visitante a tentar definir seu próprio destino. Trata-se de uma instalação no formato de uma mesa-tabuleiro com cartas ciganas deliberadamente sequenciadas pela artista, cobertas por um tampo de vidro, sobre o qual runas em quartzo verde encontram-se dispostas, na expectativa pela interação de seu participante.


O título, Grand T faz referência ao Grand Tableau Lenormand, uma tiragem de baralho cigano que recebe esse nome devido a uma célebre cartomante francesa da era napoleônica, Marie Anne Adelaide Lenormand. Apesar das cartas não terem sido concebidas pela mesma, são chamadas assim mais por um interesse de marketing do que por sua real origem (WEN, 2013). Este método de cartomancia, diferentemente do utilizado no tarot convencional, que conta com a leitura e interpretação dos arcanos maiores, utiliza apenas o baralho comum para as divinações.


A técnica utilizada na execução das 36 cartas é fruto de oficinas online de ateliê voltadas para colagem analógica que a artista participou. Como material, ela aproveita dois livros velhos de seu ensino médio, um de biologia e outro de geografia. É no folhear desses exemplares que lhe surge a inspiração de fazer as cartas ciganas, as quais se propôs a realizar quatro ou cinco por dia, dentro dos limites que seu corpo a permitia trabalhar. Durante esse processo, Oliveira (2022) relata ter se inscrito em diversos editais da sua área, e que a necessidade de escrever mini biografias acerca de sua poética, seu lugar e sobre si mesma levaram-na a uma série de questionamentos. Até a própria natureza dos eventos que participava reafirmava tais dúvidas.


O fato de ser uma artista brasileira, nascida em Porto Velho (RO), atualmente residente na cidade de João Pessoa (PB), com um pai carioca e uma mãe gaúcha, além dos hábitos de viagem e de mudança muito presentes em sua família, formam em seu imaginário uma consciência ampla de Brasil de difícil definição identitária. É na tentativa de definir o seu lugar, seu espaço, seu local de pertencimento, não apenas num sentido geográfico, mas considerando também aqueles que a experiência concreta não alcança, o lugar psíquico, mítico e espiritual, que Grant T vai ganhando forma através de um processo ambíguo de escolha intuitiva das imagens que se apresentam para ela, onde as assimila aos motivos iconológicos do baralho cigano original, numa entrega que também abraça o acaso durante sua execução.


A própria ação de criar as cartas reconhecendo as figuras arquetípicas nas imagens que apareciam nos livros, e a maneira como posteriormente as lâminas foram dispostas sobre a mesa, demonstram um processo de abstração, montagem e interpretação conjuntas que fazem lembrar Aby Warburg e seu Atlas Mnemosyne. Este, que recebe como homenagem o nome da musa grega da memória Mnemosine, buscava estabelecer uma continuidade entre as imagens, que carregavam consigo uma “fórmula de pathos” (pathosformel), formas simbólicas de lidar com a representação das paixões e anseios humanos (WARBURG, 2015). Assim, compreendia o ato artístico como resultado da expressão da mente humana, que é por sua vez dotada de um conjunto de elementos sintomáticos de memória social, com temporalidade e espaço próprios, que se transformam tanto no âmbito de suas significações como nos seus motivos formais ao longo da história.


Grand T é uma obra engendrada por um exercício de introspecção, repleto de sensibilidade e memória, alimentado pelas inquietações existenciais particulares de sua autora, mas que no seu âmago deseja transpor o espaço-tempo e gerar significado para além do desenvolvido intimamente por ela, algo que pode ser percebido em sua atitude de deixar runas sobre o vidro para serem manuseadas. E não só, é possível também estabelecer um paralelo como as práticas de divinação de abordagem terapêutica, a exemplo do Tarô sob uma perspectiva junguiana, através da associação entre as representações simbólicas arquetípicas do “inconsciente coletivo” e as lâminas do baralho, que trariam à luz informações inconsciente à dimensão real, como defende POSSEBON e CAVALCANTI (2020). Da mesma forma que a própria artista utiliza o tarô para compreensão de seu estado emocional, como uma forma de meditação, algo que por sua vez estabelece diálogo com o esforço de Warburg em mensurar os sintomas de oscilação da mente humana e sua necessidade de transformar suas ânsias psíquicas em matéria artística.


REFERÊNCIAS


GUERRIERO, S. Jogos divinatórios: temporalidade, imaginário e vivência mítica. Revista Imaginário, v.8, p.332–347, 2002.


OLIVEIRA, Lohanna Letícia da Silva. Áudios concedidos a Bianca Maria Dias de Araújo. João Pessoa, 11 Out. 2022.


POSSEBON, Fabrício; CAVALCANTI, Fernanda Pinheiro. Da percepção extrassensorial ao Tarô como recurso terapêutico: um olhar fenomenológico. Revista Encontros Teológicos, v. 35, n. 1, 2020.


WARBURG, Aby. História de Fantasmas para Gente Grande: escritos, esboços e conferências. Tradução Lenin Bicudo Bárbara. São Paulo: Companhia das Letras, p. 363–377, 2015.


WEN, Benebell. The Lenormand: Nutshell Summary of the Petite Lenormand, from History to Practice. 10 jun. 2013. Disponível em: < https://benebellwen.com/2013/06/10/the-lenormand-nutshell-summary-of-the-petite-lenormand-from-history-to-practice/>. Acesso em: 14 Nov. 2022.